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Éme (PT)

By Janeiro 23, 2019
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Éme (PT)

‘Domingo à Tarde’ é o terceiro disco de Éme (João Marcelo) e o segundo em formato banda. Mantendo a formação do disco anterior, com Lourenço Crespo (Iguanas) nas teclas, Miguel Abreu (Putas Bêbadas) no baixo e Júlia Reis (Pega Monstro) na bateria, acrescenta um novo membro crucial: a cantautora e artista Moxila, da Gentle Records, que, ao trazer a flauta, o cavaquinho e a sua voz, mudou não só a sonoridade mas também a dinâmica da banda, gerando uma força criativa que elevou todos os membros e, por arrasto, todas as canções. A ficha técnica ainda conta com a dupla maravilha: Eduardo Vinhas a gravar no seu Golden Pony Studios e B Fachada a produzir.
Mas antes que a banda entre, entra o disco com calma: a guitarra e a voz de Éme para a única música a solo que vamos escutar. Poderia dizer-se que é como uma introdução mas, quando ouvimos “não saber se é segunda ou sexta-feira, / se é mau se é bom, / bom é ter –te à minha beira”, percebemos que não se trata apenas de uma simples preparação para o que aí vem, trata-se de uma canção feita e acabada como as melhores deste album.
Passamos para a ‘Comboio’, e entra o baixo, a bateria, as teclas em gancho e o ritmo do cavaquinho. Talvez a música que mais recorda o muito bem recebido pela crítica e pelo público ‘Último Siso’, de 2014 mas, às boas melodias que já se ouviam no album anterior, junta-se uma especificidade nas palavras, cantadas com um toque à Sofia Rosa, que demonstra ainda mais que não podíamos estar a ouvir um trabalho de outro artista. Também é a partir daqui que Éme está acompanhado pelos melhores e mais empenhados amigos na aventura colorida que começa. No refrão ouvem-se as harmonias que hão-de ressoar ao longo de todo este album, mostrando que a banda, para além do próprio Éme, é uma voz colectiva.
Segue-se ‘Puxa a Patinha’ com um hook inicial perfeito e coros em modo fantasma a lembrar um Ariel Pink com calor de Los Hermanos, garantindo uma vontade de a voltar a ouvir mal esta acabe, levantando a suspeita de vem aí um disco viciante. Logo a seguir entra ‘Buraquinho’ e percebe-se que cada canção vai ser diferente da anterior, sem nunca dispensar um refrão épico, sendo que este, contrastando com o anterior, é enterrado no escuro clássico de um Leonard Cohen a falar com Zeca Afonso e os Passos em Volta : “tendência para o drama é minha maldição”.
O diálogo teatral continua com ‘Tédio’, cheia de referências visualmente fortes e instantaneamente palpáveis“o cheiro, a cara, o copo, tabacão / não há que enganar / quando um gajo assim te aperta a mão / não vai bazar” num crescendo perto do fim que nos transporta para o universo de algum pop mais barroca e, mais uma vez, a voz colectiva da banda a soar até ao fim.
E se por esta altura já se achava que o mood do disco estava definido, eis que chega ‘Uma Voz’, arrancada diretamente do ecrã de televisão dos seus tempos de desenhos animados ao sábado de manhã, colocando-os na sua única canção composta ao teclado, com um sintetizador que se vai enevoando e assim apagando a memória por completo do sábado eterno que já não volta.
Um disco composto por contradições e surpresas. Em ‘Roma à Sé’, cada membro parece tocar baixinho, ninguém se quer sobrepôr e todos esperam muito atentamente a vez de cada um para que, no refrão, entrem juntos, ao mesmo passo, ombro a ombro, num refrão limpido e romanticamente amigo “lembras-te de ir de Roma à Sé? / Caminho a conversar a vida como é que é / Pois fui parar ao Cais Sodré / vida num vacilo, nem te pões de pé”. Éme passou pelo Zé Mário Branco e trouxe-o pela mão num passeio à Lisboa do séc. XXI.
Estamos a chegar ao final, com ‘Zequinha’ – de estrutura fora do vulgar e mais uma letra verdadeiramente lisboeta dos tempos modernos “de volta a Lisboa, – a juntar o Paul Simon ao Zeca Afonso como nos diz o título que, na verdade, é uma expressão idiomática que significa alguém andrajoso.
Ainda vamos a tempo de encontrar “Joana”, com uma melancolia subtil suportada no arranjo dos sopros em harmonia quebradiça com os teclados, o momento mais Harry Nilsson do álbum mas que, chegado ao clímax (“Eu e tu, p’ra quê esperar a aprovação?/Lei é do cú e a liberdade é do coração”), revela trazer igualmente o António Variações.
Acabamos com ‘Domingo à Tarde’, a música que dá nome ao disco, uma linda versão de uma canção de Adélia. Encontrada no gigante arquivo de Tiago Pereira, encaminha o disco de encontro às suas raízes, coisa que é sentida ao longo de todas as outras canções mas que, depois de sentir que estivemos a abrir todas as janelas da casa, nos leva agora até à porta, por onde entra de rompante uma enorme corrente de ar. É amor entre as duas vozes principais, elevadas pelo coro de todos os amigos que cantam com eles.
Assim fecha, com uma música folk conhecida em Portugal todo, propondo uma música que tem os seus alicerces na música pop portuguesa ao longo do tempo, passando pelos sítios a que a internet a pode levar e não só os habituais lugares comuns da música anglo-saxónica.

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